quinta-feira, novembro 13, 2008

"Carta à Ministra sobre a minha incredulidade"

Mª Rosário Queirós, Uma professora, colega da minha mãe. Achei por bem por aqui o artigo de opinião que veio hoje publicado no Jornal Público, pois creio que também é preciso passar a mensagem do que realmente está em jogo para o resto da opinião pública. O texto, foi retirado do blog Terrear.


Carta à Ministra sobre a minha incredulidade

Fiz parte dos cerca de 100 a 120.000 professores que pela segunda vez este ano se manifestaram nas ruas de Lisboa.
Ouvi e li com atenção as suas declarações, durante e após a manifestação, e a minha reacção só pode ser de incredulidade:
pela forma como pretende fazer passar para a opinião pública a ideia de que estes tantos docentes são uns ignorantes manobrados por estranhas forças ou movidos por desígnios partidários;
pela forma como diz que os sindicatos estão a incentivar os professores a não cumprir a lei, quando sabe (ou devia saber) que esta questão há muito ultrapassou o domínio dos sindicatos;
pela forma como diz que a lei tem que ser cumprida independentemente das suas consequências e efeitos, como se o fim de qualquer política não fosse sempre melhorar as condições de vida das pessoas concretas. As leis, quando são comprovadamente más leis, alteram-se, revogam-se - acontece nas democracias saudáveis;
pela forma como diz que 20.000 professores já foram avaliados, sem explicar que o foram de um modo formal, redutor e simplista, mas que nada tem a ver com este “polvo” que pretende ver implementado;
pela forma como transparece que o mais importante é avaliar, a qualquer custo, porque agora o que é importante é que passe para a opinião pública que os professores foram avaliados;
pela forma como diz que as escolas estão a trabalhar normalmente, quando sabe (deve saber) que milhares de professores de centenas de escolas suspenderam o processo de avaliação;
pela forma como diz que os professores avaliados só têm que preencher uma ficha, quando conhece a lei que publicou e sabe que não é assim. O preenchimento dessa ficha é o início de um longo processo de rigor muito duvidoso e que obriga a um dispêndio de energias insustentável;
pela forma paternalista como diz que compreende o descontentamento dos professores porque têm hoje muito trabalho, quando sabe ou devia saber que muito dele é desqualificado, é um trabalho de amanuense e de secretaria que desvirtua e empobrece a acção profissional;
pela forma como diz que são as escolas e os órgãos de gestão que complicam, quando sabe que é o modelo em si que induz a essa complicação, a uma fragmentação impossível, resultando na mais completa ineficácia.
pela forma “conveniente” como se agarra ao “memorando” … pretendendo confinar mais uma vez este assunto aos sindicatos, quando agora já não restam dúvidas de que ele os ultrapassa largamente;
pela forma como coloca como única alternativa desistir, quando sabe (espera-se) que obviamente há outras soluções, certamente melhores e metodologicamente sustentáveis.
pela forma como tenta passar a mensagem de que os professores não querem ser avaliados, quando sabe que estes são os primeiros a exigir um modelo de avaliação sério;
pela forma como diz que este modelo de avaliação garante ao país qualidade de ensino, quando todos sentimos que o efeito é a degradação dessa qualidade;
pela forma como diz que este modelo de avaliação não penaliza nenhum professor, quando sabe que a questão não é essa; esgota-os e, portanto, penaliza os alunos e, portanto, penaliza também a escola pública, não trazendo nenhuma mais-valia ao ensino;
enfim, como tem da democracia participativa tão estranha concepção
e como se arroga o direito exclusivo de ter razão, contra 120.000 que estão enganados ou não sabem pensar…

120.000 que estão nas escolas todos os dias,
que tentam ensinar bem o que sabem;
que lutam todos os dias por uma escola pública de qualidade;
que resolvem todos os dias questões sociais que a sociedade não resolve;
que trabalham aos fins-de-semana, para que os seus alunos não sejam prejudicados;
que têm o espírito de missão a que esta profissão obriga;
mas
que não cedem a chantagens de não-progressão na carreira (há quanto tempo não progridem?);
que não querem ser cobaias em laboratórios;
que estão convictos de que não é assim que se defende uma escola pública de qualidade.

Faço parte de um órgão de gestão.
Pus a hipótese de me demitir.
Mas não. Não sou eu que tenho que me demitir.

Porto, 9 de Novembro de 2008

Mª Rosário Queirós

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